VOVÓ IAIÁ: ÚLTIMA REMANESCENTE DA PEDRA FUNDAMENTAL
por Adenir
de Oliveira
“Maria,
Nome celestial
De mãe, irmã e
filha.
Ave Maria.
Ave que
sobrevoa o infinito
Cheia de amor
e graça,
Maria”.
E Maria da
Conceição de Sousa, carinhosamente conhecida por todos como Vovó Iaiá, sobrevoou no dia 27 de junho
de 2012, com 105 anos (07/03/1907) de sabedoria, dedicação, amor e carinho. Foi
a última sobrevivente que assistiu, in
loco, em 1922, aos 15 anos de idade, ao lançamento da Pedra Fundamental,
marco da futura capital do País.
Era uma pessoa
simples, bem humorada, alegre... um gênio dos casos e da história de
Planaltina, sua cidade natal, onde passou toda sua existência, lá naquela casa
de esquina, na Praça São Sebastião (praça da igrejinha), Quadra 59, n° 153. Casarão
que ela mesma mandou reformar, pois de lá nunca pensou em sair. Era uma “mulher
parideira” (como disse a grande poetisa Cora Coralina em um de seus versos):.
teve 10 filhos, seis dos quais com nível superior completo.
Amante das
artes, da educação e da cultura de modo geral (a exemplo de Cora Coralina),
fazia seus versos e trocadilhos, e gostava muito de cantar, principalmente em
louvor ao Divino Espírito Santo, de quem era devota fervorosa e para quem
dirigiu suas últimas palavras, por meio das quais pediu-Lhe que a permitisse
ver o resplendor.
Os versos e
rimas que escrevia e cantava enchiam uma antologia. Vejamos alguns deles:
“Maria rata,
Maria rata,
Maria rata
foi-se embora e foi chamando
E seu marido
foi atrás engambelando
Maria rata,
Maria rata,
Eu não te dei
trono de ouro,
Mas te dei um
anel de prata.
Maria rata,
Maria rata
Foi-se embora
e deixou-me engambelando
Eu fiquei do
lado de fora, chorando, chorando.
Maria rata,
Maria rata.
Assim também
se expressou em verso:
Roda morena
porque também quero rodar
O vestido da
morena quebrou o ferro de engomar.
Todos querem a
morena
Para namorar e
casar.
Mas a morena
não dá bola
Ela só pensa
em dançar”.
Vovó Iaiá, na
sua longa caminhada, serviu como referência para inúmeros escritores, poetas,
cineastas, historiadores, estudantes de todos os níveis. Foi capa de revista,
tema de filmes, vídeos e entrevistas. Todos que a conheciam, admiravam sua
lucidez invejável e firmeza de conhecimento do que relatava, desde os
primórdios da fundação de Planaltina até os acontecimentos atuais. Era uma ‘’
Diva’’ da história de Planaltina.
Contava ela
sobre o lançamento da Pedra Fundamental: “quando
falaram que colocariam aqui, em nossa cidade, a pedra onde seria construída a
nova capital, foi um alvoroço. A cidade possuía poucos habitantes, mas todos
queriam conhecer esta tal pedra vinda lá do Rio de Janeiro, mandada pelo
Presidente da República. As pessoas importantes da cidade se mobilizaram para o
grande acontecimento. Os coronéis da época, professores, religiosos, delegado,
juiz... todo mundo queria ver a pedra. Inclusive o meu pai, que se chamava
Coronel Joaquim Marcelino de Sousa, me levou com ele e com meu futuro sogro,
Balduino Inácio de Oliveira, que foi o primeiro juiz da comarca. Viemos a
cavalo, pois, naquela época, aqui não existia automóvel. Dias antes, meu pai
mandou uma tropa da fazenda Paranoá, onde morávamos, para emprestar às pessoas
que não possuíam transporte.
No dia 7 de setembro, ao romper da aurora,
saiu a comitiva montada, pouco mais de 100 pessoas. A mulheres não passavam de
10, dentre elas, eu e minha irmã Ana Izabelm que ofereceu aos participantes do
evento uma mesada de café com biscoitos típicos da região.Tudo levado no lombo
dos animais, em “broacas” feitas de couro. Lá foi montada uma tenda de lona,
pois o sol era muito quente. Chegado o grande momento, ao meio dia, a banda de
música tocou o Hino Nacional, a Bandeira Brasileira foi hasteada e logo após
foi removido um pano branco que envolvia a tão famosa Pedra. Qual foi o espanto
de todos quando viram que não se tratava de uma Pedra verdadeira, e sim de um
monumento feito de concreto pelas mãos do homem. Não chegou a ser uma decepção,
mas foi espantoso. Cochichos, murmúrios e comentários envolveram todos. Mesmo
assim, o momento foi saudado pelos coronéis com uma rajada de tiros de
revólveres e uma salva de palmas por todos que ali se encontravam. Várias
pessoas discursaram, inclusive meu sogro, que era uma pessoa ‘’letrada’’. Os
homens que sabiam escrever assinaram o documento do lançamento da Pedra, as
mulheres não, pois naquela época, mulher nem sequer votava!.... O calor era
sufocante. As pessoas mais abastadas levaram seus ‘’cantis de água’’; outras,
beberam água dos potes de barro levados, também, pela minha irmã Ana Izabel.
Assim foi o lançamento da Pedra Fundamental”.
Estes fatos
nunca foram relatados. Passaram despercebidos pelos poetas, escritores e
historiadores descomprometidos com a verdade sobre a Pedra Fundamental, pois
eles nunca buscavam a “verdade verdadeira”. Foram atrás, somente, da
‘’Historia’’ montada e arquitetada por pessoas que se interessaram em construir
e relatar uma falsa verdade, contando as suas próprias “histórias”, a efeito do
que aconteceu com a própria história de nosso País, desde a sua descoberta até
os dias atuais.
(Planaltina em Letras, Ano III, nº 10, p.02, out/dez-2012)