segunda-feira, 22 de maio de 2017


ORIGEM HISTÓRICA DAS ACADEMIAS DE LETRAS

(por Vivaldi Moreira)




A Academia original foi uma escola fundada em 387 a.C., próxima a Atenas, pelo filósofo Platão. Nessa escola, dedicada às musas, onde se professava um ensino informal através de lições e diálogos entre os mestres e os discípulos, o filósofo pretendia reunir contribuições de diversos campos do saber como a filosofia, a matemática, a música, a astronomia e a legislação. Seus jovens seguidores dariam continuidade a este trabalho que viria a se constituir num dos capítulos importantes da história do saber ocidental. A escola era formada de uma biblioteca, uma residência e um jardim.

Pela tradição, este jardim teria pertencido a Academus - herói ateniense da guerra de Tróia (século XII a.C.), e por isso era chamado de academia.

As mais conhecidas academias gregas foram a Antiga Academia, fundada por Platão, que teve entre seus mestres o matemático Eudóxio de Cnido, e como discípulos, entre outros, Aristóteles, Xenócrates e Espeusipo; a chamada Academia do Meio, fundada pelo filósofo platônico grego Arcesilaus e a Nova Academia, fundada pelo filósofo cético grego Carneades. Essa tradição que deu origem a todas as academias e universidades de ensino superior do Ocidente foi interrompida com o seu fechamento pelo imperador romano Justiniano em 529 d.C. Diversas academias de poetas e artistas se estabeleceram na França e na Itália nos séculos XIII e XIV.

A Academia Platônica, fundada em Florença por volta de 1440, foi a mais famosa academia da Renascença italiana. Ela se dedicou a aprofundar o estudo da obra de Platão, ao aprimoramento da língua italiana e ao estudo de Dante. A Academia Francesa - que serviu de modelo à Academia Brasileira e por extensão a Academia de Letras e Artes da Serra, ES - foi fundada, em 1635, por iniciativa do Cardeal Richelieu que obteve a autorização para seu funcionamento do Rei Luís XIII, com a principal finalidade de tornar a língua francesa "pura, eloqüente, e capaz de tratar das artes e ciências."

A Academia Francesa tem cumprido essa missão, também, através das sucessivas edições de seu Dicionário. Oito edições já foram realizadas entre 1694 e 1932, estando em curso os trabalhos da nona edição. As entradas do Dicionário são conservadoras e sempre ilustradas através de citações literárias; termos chulos, gíria e expressões coloquiais são evitados. Essa mesma orientação foi seguida na Gramática da Academia Francesa publicada em 1932.

Constituída por quarenta cadeiras, cujos ocupantes perpétuos são eleitos, depois de se apresentarem como candidatos a uma vaga, apresentando suas qualificações. O novo acadêmico toma posse discursando em agradecimento à Academia e realizando o elogio de seu antecessor.

Marcos históricos recentes da Academia Francesa foram a eleição do primeiro estrangeiro, Julian Green, romancista americano que escrevia em francês, em 1971, e da primeira mulher acadêmica, Marguerite Yourcenar, em 1981. Neste último caso, a Academia Brasileira, com a eleição de Rachel de Queiroz em 1977, antecedeu em quatro anos sua congênere francesa.

Já a Academia Brasileira de Letras foi criada na segunda metade do século XIX, quando o Rio de Janeiro já apresentava uma vida literária marcada pelas reuniões de escritores e publicações de periódicos voltados para a literatura. Pontos de encontro, como as livrarias Laemmert e, posteriormente, a Garnier, mantinham a regularidade dessas reuniões.

A criação da Academia foi ideia lançada por um grupo de jovens escritores, dando corpo às propostas iniciais de Lúcio Mendonça e Medeiros e Albuquerque. Em 1896, sucessivos encontros na redação da Revista Brasileira, dirigida então por José Veríssimo, assumiram a forma de sessões preparatórias. Em 15 de dezembro, Machado de Assis foi aclamado primeiro Presidente da Academia Brasileira de Letras, e esta teve sua Diretoria e seus Estatutos definidos em 28 de janeiro de 1897.





sábado, 6 de maio de 2017

ACADEMIA PLANALTINENSE DE LETRAS, ARTES E CIÊNCIAS - APLAC

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TALVEZ UM CONTO (não sei).

Jubileu de Ouro[1]
Xiko Mendes
Academia Planaltinense de Letras, Artes e Ciências-APLAC


Passaram-se cinquenta anos daquele episódio triste que marcou toda a minha vida. Naquela época eu tinha uns vinte anos. Era balconista. Trabalhava no botequim da esquina mais movimentada de minha cidade em frente ao único posto de gasolina daquele pobre vilarejo perdido no sertão de Minas, uma corrutela com menos de três carros automotivos. Foi aí que uma cena povoou minhas retinas para sempre.
 Num certo dia, uma quarta-feira de cinzas, antevéspera do sábado de aleluia, bem defronte a uma mangueira gigante que ficava em frente àquele botiquim, uma criança ajoelhou-se com braços cruzados diante de uns quinze jovens que tinham a minha idade e que ali estavam montando o boneco do judas para a malhação que ocorreria no sábado seguinte. Essa era a única diversão daquela meninada naqueles dias.
Essa criança ali ficou ajoelhada a manhã inteira. Não se sabia se contemplava a beleza do boneco ou se meditava sobre a malhação do judas. Nada dizia. Seu silêncio angelical me incomodava. Decidi então inquiri-la. Quis saber dela o motivo. Pensei com meus cotovelos: a mãe deve ter a orientado para se sacrificar ou crucificar-se naquela semana santa. Quase nada me disse; apenas seu nome. José Maria. A noite chegou e ali ela permaneceu. Voltei no meio da noite; e outra vez eu fiz as mesmas perguntas. Sem resposta. Dormi inquieto. Antes que a aurora desse adeus àquela criança, decidi voltar pela última vez. No raiar do amanhecer, ali não encontrei nem a criança nem o boneco do judas nem a mangueira frondosa e tão viva. A árvore ficou tão emudecida quanto aquele menino – pensei comigo –  murchou-se no meio da noite e amanheceu morta.
Será que aquela criança morrera? Não. Uma semana depois da Malhação de Judas nas ruas da minha cidade, encontrei a mesma criança em cima da jumenta do meu pai. Era com essa jumenta que em todos os anos a meninada morria de rir colocando o judas em cima dela e malhando-o como se estivessem crucificando todas as pessoas maldosas do mundo. Ao final desse ritual triste, a jumenta era devolvida ao meu pai. O resto do boneco era queimado como se fosse uma expiação.
Não me contive. Dirige-me àquela criança casmurra, maltrapilha e cismada, que tinha aproximadaemente uns nove anos, e disse-lhe:
– Desça dessa jumenta e me diga por que dias antes não quisera falar comigo ao que ela respondeu, prontamente:
– O mal não se paga com o mal. E essa jumenta não deve nunca mais ser usada para malhar judas. Se Judas traiu Jesus Cristo, vocês estão traindo a jumenta ao expô-la em praça pública carregando aquele boneco ridículo que é espancado por todos. Essa jumentinha andou com aquele boneco em cima dela, tão caladinha – como caladinho fiquei, presenciando, triste, e imaginando o que ela estava sentindo. Quis adivinhar o sentimento dela. E acho que ela queria que você a colocasse numa carroça para fazer o aniversário de todas as crianças pobres dessa cidade. 
Foi aí que pensei em largar aquele empreguinho mixuruca. Despedi-me daquela criança e achei que nunca mais iria vê-la. Como não tinha dinheiro (e trabalhava sem carteira assinada), juntei o pouco que tinha e comprei uma carroça. Meu pai me doou a dita jumenta. E assim nasceu naquela corrutela a primeira empresa de eventos. Decidi que iria ficar rico organizando aniversários das crianças pobres de minha terra.
Rico? Não fiquei. Ninguém fica rico fazendo aniversários. Anos depois, fiz o aniversário do filho do Zé Maria. Foi a festa mais linda da minha vida. Mas naquele mesmo dia minha jumentinha morreu. Triste e feliz ao mesmo tempo, decidi abandonar a profissão. Passaram-se mais alguns anos e reencontrei Zé Maria com aquele seu filhote, agora rapagão, o último aniversariante da minha empresa informal. Quis inquirir o Zé Maria sobre aquela cena que marcou minha vida há cinquenta anos.
– Por que você ficou o dia e a noite toda de braços cruzados e pernas ajoelhadas entreolhando a montagem de um boneco?
– Porque a vida, amigo, é feita de silêncios cheios de palavras que se multiplicam no vácuo do tempo e às vezes é necessário passar cinquenta anos para que a gente entenda como a morte daquela mangueira e de sua jumenta são importantes para compreender que tudo isso é a soma de uma matemática que não expressa em números o meu silêncio de décadas atrás, mas traduzem apenas numa troca de olhares todos os aniversários que você fez em toda a vida. Sua jumenta morreu feliz porque deixou de carregar o judas malhado. E dali em diante transportou presentes que fizeram alegres centenas de crianças por aí afora. A jumenta permanece viva como imagem resplandescente na cabeça daqueles aniversariantes felizes cuja festa você é quem fez.
Despedi-me do Zé Maria pela última vez. E guardei para sempre nessas minhas surradas retinas de idoso remoendo o passado quanto o tempo, senhor da razão, precisa de tempo para traduzir em nossos corações o que a gente leva década para entender.



[1] Jubileu é uma festa feita a cada cinquenta anos para comemorar alguma coisa.